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Carol Rache

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“A necessidade de diminuir alguém tomando como base um erro é, na verdade, a tentativa de se posicionar como superior.”

De onde nasce o impulso de julgar e moralizar os outros?

É comum ver pessoas que, ao ganharem um pouco de clareza sobre algum aspecto, usam a luz adquirida para mirar nos cantos escuros de quem as cerca. São frequentes os contextos em que a busca pelo crescimento atende mais ao ego, sedento por criar autoidealizações, do que à essência, sedenta por oferecer verdadeiras contribuições.

Enquanto o ego quer moralizar para se sentir superior, a essência só quer compartilhar e servir, para se preencher. Dito isso, fica fácil perceber que a chamada “cultura do cancelamento” nasce do ego, e não da essência.

Quem cancela não está, em última instância, preocupado com uma causa coletiva, apesar de usar isso como discurso. A vontade de “lacrar” nasce da falta de percepção do próprio valor e da necessidade de se provar como “mais puro, mais evoluído, mais esclarecido”. Contudo, quem tem real convicção da própria luz dispensa o advérbio de intensidade e não precisa apontar quem é “menos”.

Quando temos segurança de que nossas atuações contribuem para as causas que apoiamos, podemos inspirar pessoas ou ceder a elas a clareza que, nesse aspecto, já conquistamos. Não existe, nesse contexto, necessidade de diminuir ou julgar ninguém, apenas a vontade genuína de compartilhar luz para facilitar o entendimento do outro. Isso, sim, é mudar o mundo para melhor. Isso, sim, é ser canal para propor desconstruções necessárias.

A necessidade de diminuir alguém tomando como base um erro é, na verdade, a tentativa de se posicionar como superior. No fundo, porque quem não está certo do próprio valor acaba se medindo sempre pela régua da comparação. E, na dinâmica de se comparar com alguém, a matemática acaba sendo fácil: se eu consigo reduzir o outro, acabo tendo a impressão de que sobressaí.

O problema é que, de fato, a superioridade é apenas uma impressão. Não estamos livres de falhar e, por mais clareza que tenhamos ganhado em alguns aspectos, certamente continuamos míopes em outros. A energia de combate que usamos para apontar as falhas alheias seria muito mais bem aproveitada se direcionada aos nossos pontos cegos.

Julgamentos são sempre uma tentativa de distração. É mais confortável para o ego mirar nas incoerências alheias e usar nossas partes luminosas para criar argumentos de moralização do que olhar humildemente para dentro e perceber onde nós ainda somos incoerentes – porque todos, sem exceção, de alguma forma somos.

Em suma: quão mais confortável nos sentimos com as nossas incoerências, mais facilidade teremos em acolher os paradoxos alheios. E quão mais idealizada for nossa visão sobre nós mesmos, maior será o impulso de cancelar, moralizar e julgar.

É preciso ter em mente que a nossa distância para a condição iluminada é sempre a mesma porque as luzes que acendemos em nós também clareiam nossa percepção sobre os cantos sombrios que estavam escondidos, e, nesse sentido, o processo de expandir a consciência é contínuo e infinito.

É maravilhoso perceber que ganhamos clareza em alguns pontos, mas é importante saber que isso não elimina os aspectos na nossa personalidade que permanecem distorcidos. E, tendo isso em mente, fica fácil perceber que toda moralização é, no fundo, prepotente.

Como bem disse Guimarães Rosa: “Não convém a gente levantar escândalo de começo, só aos poucos é que o escuro é claro”

Não seja escandaloso ao defender suas causas. Sua melhor contribuição ao mundo é o seu exemplo de conduta, e ele depende muito mais do empenho em dissolver suas próprias sombras do que da sua sede de apontar as dos outros.