“Existe uma tendência a mostrar uma vitrine arrumada e esconder a bagunça dentro da gaveta trancada.”
A grama do vizinho sempre parece mais verde, e as conquistas dos colegas sempre parecem mais fáceis. Parte por erro de interpretação e em parte por falha na comunicação.
Existe uma distorção muito grande na forma como as pessoas contam suas histórias e também na forma como interpretam a vida alheia.
Vulnerabilidade ainda é uma habilidade pouco treinada e a ainda há quem prefira contar seus bônus sem denunciar o ônus inevitável que qualquer grande conquista traz.
Nenhum empresário de sucesso te conta que, para construir seu império, teve a vida pessoal contaminada pelo desequilíbrio inevitável que o excesso de trabalho traz. Assim como poucas beldades assumem que o manequim 34 foi conquistado com lágrimas de fome e privação ou que os músculos foram construídos mais com hormônios do que com musculação.
É raro ver alguém assumindo o preço muitas vezes caro que suas conquistas custaram. Existe uma tendência a mostrar uma vitrine arrumada e esconder a bagunça dentro da gaveta trancada. Isso faz com que, de fora, a grama perfeita do vizinho pareça ter saído de graça. E, inevitavelmente, quando nos deparamos com o custo do plantar, regar, adubar e podar, passamos a crer que há algo errado com o nosso processo ou com a qualidade das nossas sementes. E, de fato, a grama do lado começa a parecer mais verde.
Para agravar a falta de transparência na forma como as histórias de sucesso são contadas, existe ainda nossa péssima tendência de desqualificar o empenho daqueles que manifestam feitos que nos chamam atenção.
Fazemos isso como estratégia oculta para justificar a nossa falta de movimento. Nos intimidamos diante da capacidade de realização do outro e logo procuramos um fruto podre que possa ser apontado como fator de desqualificação do pomar alheio. De fato, quando estamos dispostos a desmerecer o esforço do outro, as conquistas dos colegas sempre parecerão ser baseadas em sorte.
No fim das contas, histórias reais são romantizadas, bastidores ficam abafados, e o olhar da plateia acaba sendo tendencioso – ou é fantasioso e carrega uma admiração quase infantil, ou é excessivamente crítico e precisa encontrar qualquer furo no figurino que faça desmerecer o espetáculo.
O problema dessa dinâmica é que a maioria de nós carrega consigo o péssimo hábito da comparação e usa referências externas para se medir. Mas, se o que vemos no palco não é exatamente a realidade dos bastidores, qualquer comparação com histórias alheias passa a ser descabida e cruel.
É preciso lembrar que vitrines bonitas não atestam estoque organizado. Não podemos cometer o suicídio emocional de nos balizarmos pela trajetória dos outros. Precisamos nos tornar autorreferentes e compreender que a única comparação justa é entre nós e as nossas versões anteriores.
Só assim vamos parar de romantizar ou desmerecer a grama do vizinho e voltar nossa energia para fazer a única coisa que de fato importa: regar a nossa.